
Aos dezoito anos pouco custa esquecer uma mulher: basta dar um passeio com outra. Mas quando se está no limiar da maturidade, a que mentirosamente chamam segunda juventude, o separar-se de uma amante é operação cruenta. Deu-nos demasiado de si e demasiado lhe comunicamos de nós mesmos para podermos readquirir inteira a nossa individualidade. A nossa voz tomou as inflexões da sua, os seus nervos sofreram a influência dos nossos; adoptou-se um mesmo vocabulário; deu-se na dela e na nossa carne uma recíproca polarização; os nossos dois corpos fundiram-se numa célula que, para quem nos julga, é um par, mas para nós mesmos é um núcleo indivisível. Não mais temos uma individualidade nossa: cada um dos nossos gestos está subordinado a ela; somos como uma pedra-íman inerte, que somente se anima quando é o fluido daquela mulher que a percorre o envolve. Todas as outras nos parecem seres assexuados, e se um dia, por um capricho de sensibilidade marginal, chegamos a possuí-las, conservam-se ainda estranhas, e convencem-nos mais uma vez de que estamos fatalmente encadeados à amante única, necessária, insubstitufvel.