quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

a Filosofia do Lobo - e o Ciúme


SUCEDE-NOS algumas vezes encontrar aquela que foi nossa amante por uma hora ou por um mês sem quase nos lembrarmos de haver ela participado connosco da solene cerimónia, a importantíssima cerimónia que devia automaticamente irromper em nossa memória. Aquele acto foi, então, de tão pouca importância? Em nós nada ficou, da sua carne, da sua electricidade, da sua respiração ofegante?! Nada! Apenas realizado aquele acto, recomeçamos a conversar, enquanto ela recompunha a «toilette» desfeita, sobre coisas estranhas e indiferentes. Aquela função não deixara portanto em nós um sabor mais forte que o deixado na boca por um cigarro, depois de o largarmos no cinzeiro. No entanto, se viéssemos a saber que a nossa amante em exercício, a amante de hoje, pertenceu, embora por cinco minutos, a outro homem, experimentaríamos, mesmo anos depois, uma dor intolerável. O acto a que ela se submetesse com outro afigurar-se-nos-ia uma contaminação indelével: como se o seu sangue se tornasse impuro, a sua carne adulterada irreparavelmente por aquele acto, por aquele mesmo acto de que quase não nos lembramos de haver praticado com a mulher que passa por nós, naquela rua.
O ciúme é uma febre que se origina em tola, infundada excitação do nosso cérebro irreflexivo. É um fenómeno de auto-sugestão.
A tua amante deitou-se numa cama em companhia de Ipsilon. Odeias Ipsilon e odeias a tua amante; tens sempre diante dos olhos a imagem da mulher e de ípsilon enlaçados, na prática do acto que é teu tormento imaginar.
Entretanto também tu, uma vez, enganaste a tua amante, para fazer, no leito da Sr.ª Z, o que ípsilon fez no leito da tua amante.
Pois bem, que ficou dessa Sr.ª Z, na tua pele, e na tua alma? Nada. Nada mais do que as carícias de Ipsilon podem ter deixado na pele da tua mulher.
Fenómeno auto-sugestivo, portanto. Queres uma prova? Se não vires aquele indivíduo, a tua imaginação o representará odioso, repugnante, repulsivo, e sentes que, se o encontrasses, o matarias.
Mas, se tiveres ocasião de lhe ver a fotografia, começarás a compreender que o podes olhar sem horror.
Se to apresentassem pessoalmente, acredita-me, ir-lhe-ias ao encontro com um cordial sorriso nos lábios, olhá-lo-ias de face sem estremecer, e se houvesses chegado ao meu grau de perfeição, serias também capaz de dar-lhe na barriga uma pancadinha jovial, dizendo-lhe: «É um belo rapaz! »
Com o raciocínio, com a educação, conseguiremos, em não remoto porvir, fazer os homens compreenderem o ilogismo dos ciúmes. Virá o dia em que as nossas graciosas crianças estarão preparadas para ser traídas e não sofrerão com isso, porque lhes aplicamos injecções de bom senso, vacinas anticornígenas.

O CIÚME é um fenómeno físico, glandular.